“A ditadura gay não vai poupar ninguém, nem mesmo nossos filhos”.
Da  sede da diocese de Guarulhos, o bispo dom Luiz Gonzaga Bergonzini  prepara um texto para publicar em sua página na internet. A frase é o  título de um artigo divulgado em seu blog, que fala dos “riscos” que as  famílias correm com o “kit gay”, que seria distribuído em escolas pelo  governo da presidente Dilma Rousseff. “Se [o kit] não é assédio,  aliciamento e molestamento sexual pró-sodomia, então o que é?”,  questiona o documento compartilhado pelo religioso na internet. O bispo  usa o site para se comunicar com as famílias católicas e alerta, em  outro texto: “Conspiração da Unesco transformará metade do mundo em  homossexuais”.
 
 
A reportagem é de Cristiane Agostine e publicada pelo jornal Valor, 13-06-2011.
 
Dom Luiz Gonzaga Bergonzini criou o blog no ano passado  (www.domluizbergonzini.com.br), quando ficou conhecido nacionalmente por  defender o voto contra Dilma e o PT. À frente da diocese da segunda  cidade mais populosa de São Paulo (1,3 milhão de habitantes), o  religioso ajudou a colocar o aborto na pauta eleitoral. Há um ano, antes  do início oficial da campanha, publicou um artigo no site da  Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em que dizia que os  “verdadeiros católicos e cristãos” não poderiam votar na candidata  petista. No decorrer da campanha, articulou a distribuição de folhetos  em igrejas defendendo o voto anti-PT.
 
O bispo, com 75 anos, é jornalista profissional, com registro adquirido por atuar na área desde seus tempos de padre.
 
No mês passado, o religioso mobilizou sua base católica e uniu-se a  evangélicos em duas lutas: contra o kit anti-homofobia, preparado pelo  governo federal para ser distribuído em escolas, e contra o projeto de  lei 122, que criminaliza a homofobia. O “kit gay” abriu novas frentes de  protesto contra Dilma e o governo teve de recuar e reformular o  material. Já o PL 122, que tem a petista Marta Suplicy (SP) como  relatora no Senado, é considerado “heterofóbico” por religiosos.
 
O resultado do engajamento é contado pelo bispo com um sorriso. Em  2010, depois de sua pregação contra a “candidata a favor do aborto”,  Dilma perdeu no segundo turno em Guarulhos, apesar de ter ganho no  primeiro turno no município. ” A cidade é comandada há três gestões pelo  PT e em 2002 e 2006 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou lá  nos dois turnos. Na campanha de 1985 pela Prefeitura de São Paulo,  engrossou o coro contra Fernando Henrique Cardoso, depois que o  candidato gaguejou ao ser questionado sobre a existência de Deus.  Naquela eleição, FHC foi taxado de “ateu”.
 
Dom Bergonzini não gosta do PT e diz que nunca votou no partido.  “Todo radicalismo é exagerado e o PT sempre foi um partido radicalista”,  comenta. Para o religioso, é o “partido da morte”. O motivo? “Em dois  congressos o partido fechou questão a favor da liberação do aborto. Em  vez de promover a vida, promovem morte”, diz.
 
Sentado em sua sala na diocese, o religioso ajeita os cabelos com as  mãos, ajeita o crucifixo no peito e começa a frase com um “minha filha”,  ritual que repete quando demonstra incômodo.
 
“Não aceito nenhum partido; Sou contra todos eles”, diz. “Minha  filha, já falei mal do partido A, B, C. Não me prendo a nenhum”. Para o  bispo, as legendas não deveriam nem existir depois das eleições.
 
A pressão do religioso contra o PT intensificou-se durante o governo  Lula. Em 2005, o Ministério da Saúde editou uma norma técnica para os  casos de aborto permitidos por lei e determinou que a vítima de estupro  não precisaria apresentar um Boletim de Ocorrência (BO) para fazer o  aborto, com base no Código Penal. Para o bispo, foi uma ação para  flexibilizar a prática e tornou-se uma brecha.
 
“Vamos admitir até que a mulher tenha sido violentada, que foi vítima… É muito difícil uma violência sem o consentimento da mulher, é difícil”,  comenta. O bispo ajeita os cabelos e o crucifixo. “Já vi muitos casos  que não posso citar aqui. Tenho 52 anos de padre… Há os casos em que não  é bem violência… [A mulher diz] ‘Não queria, não queria, mas  aconteceu…’”, diz. “Então sabe o que eu fazia?” Nesse momento, o bispo  pega a tampa da caneta da repórter e mostra como conversava com  mulheres. “Eu falava: bota aqui”, pedindo, em seguida, para a repórter  encaixar o cilindro da caneta no orifício da tampa. O bispo começa a  mexer a mão, evitando o encaixe. “Entendeu, né? Tem casos assim., do  ‘ah, não queria, não queria, mas acabei deixando’. O BO é para não  facilitar o aborto”, diz.
 
O bispo continua o raciocínio. “A mulher fala ao médico que foi  violentada. Às vezes nem está grávida. Sem exame prévio, sem constatação  de estupro, o aborto é liberado”, declara, ajeitando o cabelo e o  crucifixo.
 
O religioso conta de uma ação para dificultar o aborto em Guarulhos.  Sua mobilização fez com que o Ministério Público notificasse o Conselho  Regional de Medicina do Estado de São Paulo e o sindicato dos  profissionais de saúde de Guarulhos, Itaquaquecetuba e Mairiporã sobre a  proibição da prática sem o BO, inquérito policial e autorização  judicial.
 
Dom Bergonzini acha que “a pessoa que se julga vítima” tem de fazer o  BO e apontar o nome do agressor. “Filha, não existe nada debaixo do sol  que não seja conhecido. É muito difícil. Se a pessoa fizer questão  mesmo, vai fazer exame de espermatozoide, etc, vai descobrir [quem é  agressor]. A Justiça tem de ir atrás.” Para o bispo, com essa ação em  Guarulhos, a igreja “deu um passo à frente, embora, mesmo nesses casos, o  aborto seja inaceitável”.
 
A discussão sobre o aborto logo voltará ao centro do debate no país e  o bispo diz estar preparado para orientar os fiéis. Em agosto, o  Supremo Tribunal Federal deve julgar a jurisprudência dos casos de  anencefalia fetal.
 
Dom Bergonzini argumenta que a ciência não é infalível e, por isso,  nada garante que o bebê nascerá sem cérebro. O bispo diz conhecer um  caso em que foi diagnosticado anencefalia e recomendado o aborto, mas  que a criança nasceu “perfeitamente sã”.
 
A profissão de fé do bispo, jornalista e blogueiro é a luta pela  “defesa da vida, contra o aborto”. O tema é um dos mais abordados em seu  blog. Na internet, os textos “em defesa da vida” são os que levam sua  assinatura. Os artigos que debatem o homossexualismo são assinados por  terceiros.
 
Dom Bergonzini lembra que durante a campanha de 2010 recebeu mais de  mil e-mails. “Nem 10% foram de críticas. As pessoas me falavam parabéns.  Escreviam: ‘ainda bem que o senhor teve coragem de falar’, ‘nós temos  um bispo que usa calça comprida’, nessa linha”, relata.
 
O artigo de sua autoria, contra o PT, chegou à Espanha, Portugal,  Bélgica, Alemanha e Holanda, segundo o bispo. “Apanhei, mas bati  bastante.”
 
A maior polêmica se deu com os mais de 20 mil folhetos distribuídos  em igrejas de vários Estados, reforçando o voto anti-PT. Antes do  primeiro turno, o texto foi escrito por um padre da diocese de  Guarulhos, assinado por três bispos e impresso pela regional Sul 1, da  CNBB de São Paulo. A fama, no entanto, ficou com dom Bergonzini, que  assumiu a autoria do texto. O conteúdo reiterava o que o religioso já  tinha publicado no jornal da diocese. Os folhetos foram apreendidos pela  Polícia Federal e mesmo depois de a distribuição ser proibida, o texto  circulou entre católicos.
 
A polêmica fez com que parte da CNBB fizesse ressalvas à atuação do  bispo e dissesse que não era a opinião da igreja. O religioso discorda.  “Não é a minha posição. É a posição da igreja que eu defendo. Está no  Evangelho.”
 
A atuação religiosa de dom Bergonzini se mistura com suas  intervenções em temas políticos. Ainda padre em São João da Boa Vista,  foi diretor-responsável de um jornal local. “Escrevia sobre a cidade e  quando tinha problema religioso, escrevia sobre isso também”, conta.  Anos depois de chegar a Guarulhos, em 1992, fundou o jornal da diocese,  que publica artigos com temas ligados à igreja e com sua opinião.
 
O bispo analisa que é natural a igreja indicar para seus fiéis, nas  eleições, quem são os bons candidatos. “Minha filha”, diz, “a igreja tem  obrigação de defender a fé e a moral, então tem que alertar o povo na  eleição”, discorre. “Os políticos não fazem isso? Se eles têm o direito  de falar mal de um partido, por que a igreja e um padre não podem  manifestar sua opinião? É questão de coerência.”
 
Os seis primeiros meses de governo Dilma não arrefeceram o ânimo de  dom Bergonzini contra a presidente. A qualquer momento, diz, o governo  tentará avançar em direção ao aborto. Em sua análise, Dilma escolheu  para a equipe uma “abortista confessa”, que tentará emplacar mudanças,  sem citar um nome. ” É a história do macaco que queria tirar uma  castanha do fogo, mas, para não se queimar, pegava a mão do gato e  tirava a castanha”, explica. “Dilma está fazendo isso. Ela não quer  botar a mão lá, porque se queima”.
 
Nas próximas eleições, o religioso não pretende sair da linha de  frente dos debates envolvendo a igreja e a política, apesar de estar  prestes a se aposentar. Pelo menos um político já está na mira: o  deputado federal Gabriel Chalita. Eleito com a segunda maior votação em  São Paulo, Chalita é ligado à igreja carismática e é pré-candidato à  Prefeitura de São Paulo. “O Chalita – pode colocar isso porque já falei  na cara dele, não tenho medo – para mim não é pessoa confiável. Em  questão de meses pertenceu a três partidos. A escolha que ele faz é de  interesse próprio, não da comunidade”, diz. No início do mês, o deputado  migrou do PSB para o PMDB, depois de já ter passado pelo PSDB. “Ele  usou a Canção Nova para se eleger e provocou uma cisão por lá ao apoiar  Dilma. Isso contrariou a nossa filosofia religiosa”, afirma. Só a  campanha contra coaduna com sua doutrina.
 
Dom Bergonzini deve deixar o cargo de bispo às vésperas da eleição de  2012. Ao completar 75 anos, em 20 de maio, pediu aposentadoria ao papa  Bento XVI, como é a praxe, e ficará na função até seu sucessor ser  nomeado. O prazo médio é de um ano. Depois, será nomeado bispo emérito e  não comandará mais a diocese. O religioso, no entanto, quer continuar  em Guarulhos.
 
Licenciado em filosofia e teologia, dom Bergonzini está há 30 anos na  cidade, dos quais 19 anos como bispo. “Celebro missa desde que fui  ordenado, comungo desde o dia de minha primeira comunhão, 23 de outubro  de 1940″, diz. O religioso ressalta que pode “e deve” continuar rezando  missas, mesmo aposentado. E ameaça: não vai sair de cena.
Do blog: Ah, seu bispo, faça-me o favor, hein? Às vezes me dá nojinho como algumas pessoas são tão caridosas para umas coisas e tão hipócritas para outras. Somos todos humanos, meu querido. Vá assistir as reprises do Vaticano II que já é uma ajuda boa para o senhor. E passar bem.