quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Semáforo

Já passavam das oito da noite e ela ainda pegava o jeito de dirigir àquele horário. Era mais difícil identificar os buracos recorrentes, manter a atenção nos carros que às vezes surgiam sem aviso (e como uma boa iniciante na direção, ela olhava durante quase um minuto para os retrovisores antes de mudar de faixa), e ainda cantarolar os versos de Fiona Apple, que tomava conta do aparelho de som do carro.

"I thought it was a bird but it was just a paper bag..."

Parou em um semáforo e quando viu um jovem e simpático garoto vir a sua direção com uma garrafa de água e um pequeno rodo, ela suspirou e lembrou-se que, mais uma vez, esquecera de pedir uma daquelas pequenas bolsas quadradas de coro onde seu pai costuma deixar moedas no carro. Era quase impossível dirigir por Natal sem uma daquelas, com tantos flanelinhas, deficientes físicos e vendedores que parecem depender dessas moedas para viver. Então, quando ele aproximou, e com um sorriso e o polegar esticado, pediu permissão para limpar o vidro do carro, ela inclinou a cabeça, enrugou a testa numa expressão de quem se desculpa e mostrou também o polegar, mas virado para baixo, numa expressão que também havia aprendido com o pai. Entre flanelinhas e motoristas, significava "estou lisa".

Ao contrário da maioria dos garotos do ramo, aquele rapaz sorriu, compreensivo e tentou com o carro parado atrás, mas a resposta parecia ter sido a mesma. Ela observou a cena pelo retrovisor e estranhou quando o rapaz começou a limpar o vidro de trás do seu carro. "Ora, ele não me viu sinalizar que não tinha dinheiro?", pensou. Mas o rapaz parecia distraído ali. Então outros pensamentos começaram a invadir a cabeça dela. Depois de um dia fazendo aquilo, o garoto ainda parecia ter paciência para uma gentileza. Ela continuou a sorrir, cantoralando baixinho, enquanto observava o rapaz. 

"And I went crazy again today, looking for a strand to climb..."

Quando ele acabou, o semáforo ficou verde e ele não lhe pediu dinheiro novamente. Sorriu para ela, com um ar divertido e ela retribuiu, agradecida e contente pela atitude inesperada. Buzinou de leve e acenou com a cabeça. Continuou o caminho para a universidade, cantarolando, e pensando que da próxima vez que passasse por aquele semáforo, gostaria de estar preparada para retribuir a gentileza.

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