Não estava no melhor dos meus dias quando fui convocada à incumbência de acompanhar os pacientes do hospital psiquiátrico em que trabalho a um passeio à Praia de Pirangi para um de seus momentos de lazer semanais. Minha função seria fazer o registro fotográfico da manhã. Acabei registrando mais que fotos.
Quando entrei no ônibus, algo me incitou a sentar ao lado da pessoa cuja expressão demonstrava maior tristeza. Talvez, uma esperança íntima de fazer alguém se sentir melhor. Mas, a princípio, pouco consegui extrair daquela mulher, de olhos e pensamentos tão inquietantes.
Atrás de mim, as vozes de um grupo de mulheres disputavam uma canção religiosa. Por falta de aplausos, talvez, logo seu foco mudou e concentrou-se em mim, a “estranha no ninho”. Perguntavam sobre minha idade, família, faculdade e trabalho, o que tive prazer, quase alívio, em responder. Finalmente estava me socializando.
Um rapaz forte e bonito, também paciente, sentado ao lado das minhas novas companhias, me observava, atento. Vez ou outra, desviava a atenção para a câmera, até então inoperante, sobre minhas pernas. Quando a conversa foi se tornando monótona, o rapaz finalmente fez a pergunta que parecia estar esperando para ser feita há alguns minutos.
- Desculpe, você é fotógrafa?
Na verdade, eu não era bem isso. Era estagiária de comunicação. Pau para toda obra. Sequer havia cursado a disciplina de Fotojornalismo na faculdade. Mas respondi, menos sincera e mais curiosa sobre em que aquilo resultaria.
- Sim, sou.
- Nossa, você tem uma profissão de sorte. – respondeu-me, com o ar de quem tinha absoluta certeza do que me afirmava.
- É verdade – respondi, instintivamente, embora ainda não tivesse entendido muito bem o sentido do comentário – Por quê?
- Ninguém gosta de tirar fotos triste. Já percebeu que as pessoas sempre sorriem para as fotos? Você leva o sorriso às pessoas. Elas sempre sorriem para você.
Não respondi àquilo de imediato. Por um momento, quis acreditar que aquele jovem ex-soldado, que acabara parando no leito de um hospital psiquiátrico, estava, de fato, certo. Lembrei dos vários “xis” e “sorrias” que escutava quando criança, funcionavam como um índice para o surgimento de um enorme sorriso, que não obrigatoriamente representavam o meu humor naquele momento. Verdade, naquelas situações, o fotógrafo me fazia sorrir. Em compensação, por várias vezes, suas lentes sofreram as consequências de não eternizarem um momento verídico.
Lembrei ainda das várias expressões de tristeza, desesperança e ausência de fé que tantas câmeras já captaram. Para esses modelos, as lentes da câmera não conseguiram mascarar a realidade.
Contudo, em partes, o rapaz estava certo. Sorri para ele e consenti com a cabeça, orgulhosa de minha “profissão”. Naquela manhã, tirei dezenas de fotos. As pessoas pediam para que eu as fotografasse ali na praia, em um momento de descontração. E eu não precisava pedir para que me dessem – ou à câmera - um sorriso sincero.
De fato, tenho uma profissão de sorte.
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