Eu sempre soube que eu era o reflexo do meu pai, embora por tantas vezes tivesse me recusado a acreditar que poucas coisas em nós diferiam. Desde a maneira de pensar, os valores e as opiniões – com suas poucas diferenças de tempo, espaço e cultura – até o formato do dedo mindinho do pé. Como uma boa filha caçula, eu sempre tive orgulho disso. De tudo o que o meu pai foi e é e de todo o caminho por ele percorrido para chegar a isso. Sempre tive orgulho dos quilômetros que ele percorria a pé nas estradas “carroçais” para ir à escola quando criança; dos arranhões – cujas cicatrizes ainda hoje existem - adquiridos durante os percursos da roça; de sua coragem de sair de casa cedo na esperança de uma vida diferente; dos litros de leite azedos com os quais ele teve de se contentar para saciar a sua “metade bezerro” quando não havia mais que isso; de sua determinação e coragem de estudar quando muita coisa incitava-o a não o fazer e, mesmo com tudo isso, ter sido sempre excelente aluno. Porém, acima de tudo, eu tenho orgulho da sabedoria do meu pai. Tenho certeza de que, de todas as lições da minha vida, com ele aprendi as maiores. E, definitivamente, há uma razão para que eu o considere um herói.
Eu poderia citar as várias quedas de bicicleta das quais ele me socorreu, sempre sorrindo, como se a mancha roxa do guidon da bicicleta no meu pescoço não fosse nada, e aquilo, no fim, acabaria me fazendo rir. Ou poderia lembrar também o episódio na piscina do condomínio onde morávamos em Fortaleza. O meu constrangimento por minha irmã poder nadar na piscina grande e eu não passar daquela destinada às crianças. Não deveria ser lá tão difícil nadar. Meu pai nos assistia ao lado de fora das piscinas quando eu me joguei da menor para a maior e, antes que pudesse tentar nadar, já estava engolindo a água. Porém, eu pude senti-lo me puxar para cima, com o mesmo sorriso de quando eu caía da bicicleta e um comentário divertido que me fez rir mais uma vez, quando, se não fosse por sua atenção, eu poderia ter engolido água o suficiente para me afogar. Eu nunca realmente havia tomado consciência de que meu pai salvara a minha vida àquele dia até escrever esse texto.
Mas o motivo pelo qual o chamo de herói advém de uma entrevista que o meu, então, colégio designou-me a fazer com ele. Eu devia estar na faixa dos sete ou oito anos. Eram perguntas “banais”, como idade, profissão, cidade de origem, programa de TV favorito ou qualquer outra coisa que crianças de oito anos possam considerar relevante. Porém, uma das respostas do meu pai, a partir da minha pergunta “banal”, me fez pensar e aprender algo que eu levaria além dos meus oito anos, por uma vida inteira, acredito. Eu o questionei sobre quem seria o seu ídolo, curiosa para saber quem, para ele, seria o que a Mulher Maravilha era para mim. Não sabia se o Super Homem já existia quando ele era criança – isso parecia fazer, no mínimo, uns duzentos anos na minha visão infantil - ou mesmo o Homem Aranha, Capitão Caverna, Thunder Cats ou qualquer um desses desenhos que passavam na televisão. Eu estava preparada, inclusive, para ouvi-lo dizer que o seu ídolo era o William Bonner ou Luiz Gonzaga, mas, decididamente, não estava preparada para a resposta que ele me deu.
- José de Pinho Vieira.
- Quem, pai?
- Seu avô, meu pai!
- E é esse o nome do vô Dequinha? Mas, pai, eu falei de herói!
- Eu também, princesinha. Quem consegue criar, sustentar e educar nove filhos nos serrotes do meio dos matos de Cajazeiras, com certeza é um herói.
Naquele dia, eu apenas baixei a cabeça e anotei no caderno: “Ídolo: Seu pai.” Não me dei conta de que aquilo seria um dos primeiros de todos meus grandes aprendizados com meu pai, o qual eu descobriria, com o tempo, que era o meu herói. Talvez, agora, eu possa acrescentar o episódio da piscina aos motivos para isso, mas, definitivamente, após aprender, através dele, o verdadeiro sentido da palavra herói, eu me senti segura para aposentar a Mulher Maravilha e responder a todos os que me questionaram sobre um herói: “José Euriberto Vieira, meu pai.”
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