segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sobre o dia 18 de abril

Passavam das 22h e a pequena garota sabia que a mãe, dona Regina, brigaria por ela não estar dormindo ainda. Mas quem tinha culpa? Ela já havia cantado, contado, pensado e até rezado, como a mãe ensinara, mas nada dava jeito. Achava que estava naquela fase de transição em que o horário de dormir aumentaria, mas infelizmente a mãe não achava o mesmo.

Contudo, Kassandra, a miúda garota de cinco anos e meio, levantou-se embrulhada à roupa de frio que usava para dormir e arrastou o lençol e o sapo de pelúcia até a sala de estar, onde a mãe parecia compenetrada e finalmente relaxada ao assistir um programa noturno. O bico já estava pronto quando Dona Regina percebeu a presença da filha encolhida no corredor que dava para a sala.

- Posso ver TV com você? - choramingou a garota, mais por manha que por outra coisa.

- Por que ainda está acordada, Kassandra? - a mãe olhou para a filha com um olhar tão terno quanto repreensivo.

- Os anjos ainda não chegaram. Estão atrasados hoje. Posso ver TV com você? - insistiu.

- Não está passando nada para a sua idade, filha.

- E quando passam coisas para a minha idade? - retrucou.

- Ora, de manhã, minha querida.

- Mas de manhã eu estou na aula. Eles não pensam nisso?

- Pensam. E é por isso que não há um horário para você. Eles querem que você seja inteligente... e televisão não vai te ajudar a se tornar uma moça inteligente.

A essa altura Dona Regina já desligara a TV e calçava os chinelos de dedo para levantar do sofá, consciente de que a sua missão de mãe ainda não acabara àquela noite.

- Mas você assiste TV, mãe... - choramingou novamente Kaka.

- Isso porque eu não sou tão esperta quanto você - sorriu, divertida, embora os olhos estivessem vermelhos de sono e cansaço acumulado. Ainda assim, foi até a garota e colocou-a no colo, com lençol e sapo, e fez o percurso de volta para o quarto da filha.

- Mãe... eu não vou conseguir dormir. - Kassandra resmungou novamente, agarrando-se ao fiapo de esperança restante para assistir à televisão.

- E quem disse que nós vamos dormir? - a mãe respondeu, com um sorriso maroto nos lábios enquanto acomodova a filha de volta na cama. Sabia que a fórmula que aplicaria a seguir era infalível.

- Então você me conta uma estória? - Kassandra virou de lado na cama, sem perder a mãe de vista, com os olhos bem abertos para que a mãe não fugisse.

- E qual você quer?

- Uma nova, mãe. Inventa!

Ai ai... Nem Rapunzéis, nem Brancas de Neve, Cinderelas ou Belas Adormecidas convenciam a menina mais de uma vez. Era faminta por estórias novas e Dona Regina não sabia de onde conseguia tirar tanta criatividade para uma nova narração quase todos os dias. Pelo menos, nunca precisava terminá-las.

Foi então que sentou-se ao lado da cama de Kassandra, pensou por uns segundos e começou uma estória sobre um peixe dourado que não tinha amigos por ser diferente de todos os outros peixes. Pouca coisa aconteceu ao pequeno peixe. Antes mesmo que Dona Regina conseguisse dar-lhe uma estrela-do-mar como companheira, os olhos de Kaka, outrora tão atentos e determinados a manterem-se acordados, já pesavam o suficiente para só abrirem novamente no dia seguinte.

Dona Regina então, levantou-se do chão frio do quarto da filha e seguiu em direção ao próprio quarto, bocejando, pronta para ela mesma dormir. Não imaginava a proporção que cada estória inacabada daquelas tomava nos sonhos da menina Kassandra, onde o peixinho dourado poderia transformar-se em um golfinho, em um pássaro, e até em gente, se quisesse.




4 comentários:

  1. Ler esse mini conto, deu uma saudade enorme da minha mãe. Não me lembro se ela ja me contou alguma estória pra dormir, nem tão pouco se ja me pegou no colo para por pra dormir depois que passei dos cinco anos. Mas ler sobre esse ato, que eu, como pedagoga, acho válido demais para as crianças, me remeteu a figura da minha mãe e lembrei que ela está longe de mim nesse momento e, mesmo que talvez nunca tivéssemos tido momentos como esse, ela me faz muita falta, nem que seja brigando comigo, como realmente costuma ser! Coração apertou! rs Parabéns e acredite, vc é realmente uma pessoa excelente com as palavras. Amo vc, garota! ♥

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  2. Andressa, lindo.. gostei mesmo!! Parabéns =)
    beijooos

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  3. Obrigada, meninas!! Bondade de vocês. Além disso, tive boas inspirações... :)

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  4. Lindo demais. Me deu uma nostalgia...
    Minha mãe sempre inventava histórias pra eu dormir. Eu tinha (e ainda tenho) um sapo verde de pelúcia chamado Cabral. ^^

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