Outrora achei que apenas a dor
produzir arte poderia.
Que apenas uma lágrima
mancharia um poema sem que
fosse o ato julgado grosseria.
Desafiei a arte, portanto.
Muni-me de um coração afiado,
e de um sorriso laminado.
Muni-me de sentimentos brandos,
e da confiança de um olhar que não é meu.
Acompanhei-me da companhia
Ignorei o escudo da solidão.
Pela segurança do amor,
troquei a inconstância da paixão.
Indaguei ao mestre
Por que inalcançáveis tinham de ser
as musas que a ele inspirava.
Respondeu-me, portanto,
"apenas da utopia
surge a arte admirada."
Repliquei-lhe, insistente,
"A arte dolorosa é farsa,
a dor íntima é curada."
"Ora, para o teu amor verdadeiro
a arte não é o lugar.
Contos de fadas,
é onde ele deveria estar."
"Tua musa a ti abandonou", falo
"De que adianta fingir uma paixão
por quem a a ti ignora?"
"Antes a dor, antes o sofrimento,
antes a ausência da recíproca,
ao teu amor banal e constante,
tedioso, ignorante!", responde-me.
"Somente um coração amado
pode à mente responder
e aos olhos encantar."
"Burro, imbecil, não é o teu amor
aquilo o que querem ler.
O conflito é o que vai dar-lhes
a intriga, o prazer!"
Virei as costas, desisti.
Descobri ser o mal do artista
a escolha inevitável que tem de fazer:
A arte do sofrer, ou a liberdarte do amar?
Na verdade, creio que perdi
o desafio que eu mesmo escrevi.