sexta-feira, 7 de outubro de 2011

(Quase) Toda Unanimidade é Burra

Desconfio de tudo o que seja “best”. “Best sellers”, “best movies”, “best songs”, e todas as suas variações. Aí entram os “melhores”, “greatest”, e “tops”. Tenho boas razões para isso: a unanimidade que define padrões temporários é tão burra quanto a parcela da população que a segue sem questionar, como uma procissão religiosa de cidades interioranas.

Do latim, “unanimidade” significa a situação em que das ou mais pessoas compartilham um (unos) só animo (animus), ou seja, sustentam uma mesma posição diante de determinada situação. Dessa forma, há unanimidades inteligentes. Essas, geralmente, acontecem em grupos menores, como a comunidade de um condomínio, ou um casamento que dá certo. Contudo, a maioria das unanimidades compostas por grupos maiores são, de fato, burras. Ora, que produto é tão maravilhoso a ponto de ser aprovado por todos? Que opinião é tão certeira e incontestável? Opiniões divulgadas como certas tendem a ser aceitas sem contestações. A história, aliada ao papel das mídias, nos trás diversos exemplos de situações em que a unanimidade burra se faz presente de forma bem clara.

O título “Vênus” sempre esteve associado à beleza. Durante o período Paleolítico da Pré-história, era indiscutível a certeza de que a mulher ideal deveria ser “cheinha”. Quadris largos, seios fartos e deveria manter toda a massa a que tivesse direito. O modelo era tão certo que homenagens artísticas foram produzidas para a figura da perfeição feminina. Eram as esculturas a cujo nome atribuído posteriormente foi “vênus”. Tais peças foram encontradas em posição de culto, centrais com relação aos objetos de caráter masculino, dando uma ideia de superioridade e até divindade da mulher.

Milênios depois, com a estruturação e crescimento da cultura greco-romana, outra “Vênus” surgiu. Essa era a deusa da beleza, Afrodite, representada por diversos artistas, sempre com curvas discretas, corpo longo e magro, seios proporcionais e traços esbeltos e delicados. Traçava-se um novo padrão de beleza.


Na Índia, até meados do século passado, as mulheres-modelos eram bem semelhantes às “vênus” pré-históricas, de forma que até as prostitutas se davam ao luxo de ter um discreto “pneuzinho” para tornar seus ventres convidativos.

Em meados do século XX, com o “furacão Marilyn Monroe”, as curvas voltaram a ter espaço na mídia. A mulher perfeita deveria vestir tamanho 42, exatamente como a diva americana. Hoje em dia, há um pouco mais de aceitação com curvas – contanto que não sejam exageradas. Mas nas capas de revistas e nas passarelas da moda, não há espaço para um manequim maior que o 36.


Os conceitos de beleza que, em suas épocas, são unânimes e incontestáveis, alteraram-se dinamicamente durante a história do mundo. O mesmo acontece com as propostas políticas e os anseios sociais.

Ora, uma das estratégias políticas mais louváveis do classicismo foram os espetáculos de gladiadores. Em meio à crise, as pessoas assistiam homens digladiarem-se como animais e achavam isso a melhor diversão já pensada. O espetáculo era totalmente organizado e incentivado pelos governantes da época. Quem imaginaria tal episódio em meio a toda a atual propagação mundial dos direitos humanos, que luta pela abolição da menor das violências? Mas no cenário político e social da “democracia” grega, a atitude parecia completamente plausível. Uma jogada de mestre! E a aceitação era, novamente, unânime.

Gladiadores
O mesmo período clássico trazia-nos com admirável normalidade a relação homossexual. Quando levados a prostíbulos para terem a sua primeira relação sexual, os rapazes podiam escolher entre belíssimas mulheres ou jovens garotos. Também era comum que os meninos tivessem um “orientador”, que lhes ajudaria a amadurecer tanto intelectualmente quando sexualmente. Esse tutor podia, inclusive, ser casado, e o ato não era rigorosamente considerado uma traição. Na Grécia antiga, as mulheres também se relacionavam com pessoas do mesmo sexo. Isso era costume, principalmente, entre o grupo das Amazonas*, ou mulheres guerreiras, que independiam de homens, utilizando-os apenas como objetos de reprodução para a formação de novas guerreiras. Com a ascensão do cristianismo, tais valores foram caçados e condenados, a ponto de termos séculos de crimes contra aqueles que ousavam fugir aos padrões propostos na Bíblia. Situação essa imposta em determinado momento histórico e aderida como regra. Hoje, homossexuais lutam pelo respeito que lhes foi tomado e à medida que a discussão vai se tornando possível, a unanimidade se transfigura em uma parcialidade.

Guerreiras Amazonas
A história se apresenta, portanto, como a maior prova de que, com exceção das poucas inteligentes, toda unanimidade é burra. E, mais que isso, passageira. Com as tantas possibilidades que alcançamos com a globalização, não me admira que, em trinta anos, boa parte dos valores sociais tão unânimes de hoje em dia já tenham caído por terra, em uma velocidade temporal que excederá os nossos princípios individuais. E aqueles que não concordarem... Ah, esses proporão uma outra mudança e a  unanimidade será, novamente, nada mais que burra.

*não há ainda um consenso sobre a veracidade da história das Amazonas, mas sabe-se que essas mulheres são um importante ponto da mitologia grega

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