Por Sandra Guimarães, da Palestina
Páscoa é a comemoração mais importante do calendário cristão. A Semana Santa começa no Domingo de Ramos, quando Jesus fez sua entrada triunfal em Jerusalém montado em um burro e foi recebido por uma multidão que agitava ramos de palmeira para saudar o messias, e termina no Domingo de Páscoa, quando Jesus ressuscitou, depois de ter sido crucificado, morto e sepultado na mesma cidade. Poder seguir os passos de Cristo, andar pelas ruas por onde passou carregando a cruz nas costas e rezar no lugar considerado o mais sagrado de todos pelo cristianismo, tem um valor inestimável para cada cristão. Para qualquer cristão ao redor do mundo, estar na Terra Santa durante a Páscoa é um imenso privilégio. Para qualquer cristão do mundo... menos para os palestinos.
"Façam paz, não muros." Foto: Anne Paq (2007) |
Uma parte da população palestina é cristã. Esses palestinos são obrigados a pedir autorização a Israel para comemorar a Páscoa em Jerusalém. Todos os anos eles tentam, mas poucos palestinos morando na Cijordânia e em Gaza conseguem ir à igreja rezar no dia mais importante para todos os cristãos. Uma boa parte da cidade, incluindo a cidade antiga onde ficam os lugares sagrados para cristãos, muçulmanos e judeus, fica dentro dos limites do território palestino. Mas Jerusalém Leste, assim como o resto da Palestina, vive sob ocupação militar israelense desde 1967. O governo de Israel limita cada vez mais a entrada de palestinos em Jerusalém e esse ano poucas pessoas conseguiram autorização. Essa é uma face da ocupação da qual pouco se fala: a violação do direito de culto, ou seja, a impossibilidade de ir à igreja (ou à mesquita, no caso dos palestinos muçulmanos) rezar. A liberdade de exercer sua religião é um dos direitos fundamentais do homem, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas violado diariamente por Israel quando se trata dos palestinos. Os muçulmanos também sofrem com essas restrições, principalmente durante o mês sagrado do Ramadan, quando eles tentam ir rezar na mesquita Al-Aqsa, em Jerusalém (o terceiro lugar da lista dos lugares santos muçulmanos).
Manifestação não-violenta. Foto: Anne Paq (2005) |
No Domingo de Ramos palestinos organizaram uma caminhada para protestar contra a violação do direito de culto e restrições de movimento imposto por Israel. Cerca de duzentas pessoas, palestinos cristãos e muçulmanos, estrangeiros e alguns israelenses ativistas, caminharam da Igreja da Natividade em Belém (construída no lugar onde Jesus nasceu) em direção à Jerusalém, um percurso de pouco menos de 10 quilômetros. Hoje em dia existe o Muro de Separação e um “check point” (barragem militar israelense) entre as duas cidades e só os palestinos que possuem autorização de Israel podem atravessá-lo.
Chegando ao “chek point”, alguns manifestantes aproveitaram a breve abertura de um dos gigantescos portões de ferro que separa palestinos de palestinos e continuaram a caminhada rumo à Jerusalém. Eles carregavam ramos de palmeira e bandeiras da Palestina, e gritavam “Palestina livre!” e “Nós temos o direito de andar nas nossas terras!”. Um agricultor acompanhou toda a passeata montando em seu burro, exatamente como o mais famoso dos palestinos fez há mais de dois mil anos. Para aquelas pessoas era a primeira vez em muitos anos que elas colocavam os pés do outro lado do Muro. Mas essa pequena vitória não durou muito tempo e logo soldados e policiais israelenses impediram a passeata de continuar. Os manifestantes consideraram aquilo o final da linha e começaram a voltar para Belém.
Muitas manifestações são repreendidas com violência. Foto: Anne Paq (2007) |
Nesse momento os soldados israelenses atacaram a multidão e prenderam de maneira violenta dez palestinos, quatro israelenses ativistas e uma americana. O agricultor foi bruscamente arrancado de cima do seu burro e jogado dentro de um jipe militar, na frente do seu filho que chorava e gritava pelo pai. Por mais absurdo que possa parecer, o burro também foi preso. Os israelenses e a americana foram liberados algumas horas depois, mas até o momento em que escrevo este artigo os palestinos ainda continuam na prisão. Ninguém sabe quando eles voltarão para casa, nem mesmo se eles voltarão para casa um dia. O único crime que eles cometeram foi andar em suas próprias terras e tentar ir à igreja rezar.
Milhares de cristãos do mundo inteiro visitam Israel durante a Semana Santa. Esse ano Israel avisou às autoridades religiosas que nenhum palestino, seja da Cijordania, Gaza ou de Israel, entrará em Jerusalém. Nem aqueles que, depois de tanto esforço, conseguiram a tão sonhada autorização. Israel está mais uma vez aplicando uma punição coletiva e isso é um crime de guerra. Somente pelegrinos estrangeiros poderão comemorar a Páscoa na cidade antiga. No nosso país várias igrejas organizam viagens de peregrinação à Terra Santa. Nessas viagens a palavra “Palestina” não é sequer mencionada e os viajantes voltam para casa achando Israel um lugar maravilhoso e sem tomar conhecimento dos palestinos que são humilhados, torturados e assassinados ao lado dos lugares santos. Nossas igrejas estão compactuando com as atrocidades cometidas por Israel e esta não é uma atitude cristã.
"Nós todos somos palestinos" Foto: Anne Paq (2006) |
No domingo de Páscoa, enquanto os cristãos do mundo inteiro vão à missa e comem ovos de chocolate, Israel viola o direito de culto de milhares de palestinos cristãos. Amigos apodrecem nas prisões israelenses injustiçados e torturados por terem ousado lutar pelo simples direito de rezar. Aquele garotinho ainda chora e chama pelo pai. Em plena Terra Santa!
Para mais fotos da ativista Anne Paq, acesse o site AnnePaq.com
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