terça-feira, 13 de setembro de 2011

“À mais bela”

No vigor audacioso dos meus dez anos de idade, vi, em um trabalho para a aula de História, a minha oportunidade de chegar aos palcos Broadway. Claro que essa ideia não foi concretizada e, há muito, foi expulsa a pontapés da minha cabeça. A questão é que a primeira (dentre as três pseuso-peças em que fui roteirista, diretora e atriz) foi baseada na estória da mitologia grega que narra o primeiro concurso de beleza feminina do qual se tem notícia. Chamava-se “À mais bela”. O enredo já estava desenvolvido em um livros de mitos gregos e, como era simples, não precisei de muito para transformá-lo em uma peça. Ridiculamente infantil, é claro. Mas uma peça.


Afrodite
Certo dia, Éris, deusa da Discórdia, despeitada por não ter sido convidada a um banquete no Olimpo, resolve desafiar as demais deusas. Sabendo que a vaidade e a pouca modéstia era uma característica peculiar a todas, envia ao evento uma maçã digna da madrasta da Branca de Neve, com a inscrição “À mais bela”. Ora, não foi preciso mais que isso e o barraco armou-se. Afrodite, deusa do amor e filha de Zeus, Palas Atena, deusa da sabedoria e também filha de Zeus, e Hera, deusa do matrimônio e esposa possessiva do senhor supremo do Olimpo, puseram-se a disputar o atributo de deusa mais bela. Logicamente, nenhum deus com algum senso tomaria para si a determinação. Sobrou para o jovem Páris, filho renegado do Rei Príamo, de Tróia. Considerando que todas as deusas tentaram subornar a opinião do jovem mortal, o resultado pode não ter sido tão justo assim. Mas conta a lenda que, ao oferecer o amor de Helena, a mais bela mulher viva (e casada), Afrodite ganhou a afeição do pastor e, também, o pomo da discórdia. A vencedora do concurso foi, por muito tempo, modelo onipotente de beleza feminina. Branca, cabelos loiros e lisos, esbelta, alta, com medidas milimetricamente proporcionais. Obviamente, não interpretei Afrodite. Mas nunca quis ser a mais bela, de toda forma. Preferia ficar com os predicativos de Palas Atena. Mas isso não vem ao caso.

A questão é que, hoje, mais de três mil anos após o suposto concurso de beleza, que acarretaria a vingança de Menelau, marido de Helena, desencadeando a Guerra de Troia, fico imensamente feliz de saber que os padrões, finalmente, estão mudando. Ou, aos poucos, se despadronizando. Essa noite, a encantadora Leila Lopes, Miss Angola, foi coroada Miss Universo, a mulher mais bonita do mundo. Leila não só é “negra tição”, como tem “cabelo pixaim”. E quem disse que isso deve ser critério de desclassificação? O sorriso era cativante, o carisma, extremo. A dedicação e determinação em simplesmente representar o país em que nascera não lhe abandonavam em um só momento da competição. Parecia óbvio que Leila, ao contrário de muitas, tinha um pensamento de coletividade e generosidade. E, ela sim, tinha uma razão social para ganhar. Além, é claro, de ser belíssima. Os segundo e terceiro lugares ficaram com a ucraniana e a brasileira, respectivamente. Nenhuma comportava os padrões de Afrodite.

Miss Angola é a Miss Universo 2011 // Miss Angola é a Miss Universo 2011 (Reuters)
Leila Lopes, Miss Universo 2011
O melhor é consultar os resultados dos últimos dez anos da competição e verificar que não há uma hegemonia. Nem loiras e nem negras compunham a maioria. Mas todas estão lá. Cada uma compondo e homenageando um modelo de beleza. Muitas foram criticadas, como a japonesa Riyo Mori, vencedora do concurso em 2007, empurrando a brasileira Natália Guimarães para o segundo lugar. Bem, garanto que as mulheres japonesas, tão pouco representadas e valorizadas a nível mundial, sentiram-se extremamente congratuladas com a escolha.

Riyo Mori, 20 (Miss Universe L.P., LLLP)
Riyo Mori, Miss Universo 2007
Na Grécia havia, sim, um critério de beleza, representativo de seu povo. Contudo, é inviável que tal padrão continue em voga, quando o mundo é muito mais que as civilizações clássicas, hoje em dia. A verdade é que não se deve haver uma padronização. Ainda sinto falta de mulheres mais “cheinhas” nos concursos de beleza. Para mim, são ainda mais bonitas que as que passam fome por um ano inteiro para estarem ali.

Penso que estamos indo muito bem, obrigada. Os concursos de beleza mundiais não devem ser uma disputa de etnias. Mas uma valorização de todas elas. Premiemos todas e cada uma! Mulheres belíssimas que representam as características de um grande povo. Cada uma com suas especificidades, como um grande jardim, povoado por flores das mais diversas. Ainda assim, flores.

E que próximo ano, mais uma miss nos surpreenda! Quem sabe uma de 1,60m...

Um comentário:

  1. Belíssimo texto, Andressa. Você já leu "A Beleza Salvará o Mundo", de Tzvetan Todorov? Brilhante. O subtítulo diz tudo: Wilde, Rilke e Tsvetaeva: os aventureiros do absoluto.
    cumprimentos cinéfilos

    O Falcão Maltês

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